terça-feira, 1 de dezembro de 2009

O caso da Kombi

Valdemar não poupava causo. Lá pelas quatro e meia da tarde, lá estava ele, sorrateiro, chegando de mansinho no local onde trabalhávamos. Nosso horário de encerramento das atividades era às 18 horas. Ele deveria encerrar às 17 horas. Disse bem: Deveria!
No sul costumamos dizer que quando alguém está atochando, está "queimando campo". E os adjetivos acessórios são relacionados ao tema: fumaceira, largando fumaça, etc. Por vezes, quando ele chegava, sutilmente um abria a porta. Era um código nosso para comentar que alguém está exagerando no tamanho do feito. Contanto lorota. E para cada assunto, Valdemar tinha uma lorota na ponta da língua.
Pois numa dessas, Valdemar contou que certa feita fora a um baile de interior. Lá os bailes acontecem nos clubes das colônias, na roça, onde as pessoas simples, brejeiras até algumas, levavam a familia inteira aos bailes. As mulheres chegavam a levar os bebês, e enquanto os maridos ficavam jogando cartas ou tomando cerveja pelas mesas e contando vantagens, na companhia dos amigos, as mulheres, submissas, amamentavam os bebês e ficavam olhando com olhar perdido para o salão. Madrugada adentro.
Iam também, naturalmente, as moçoilas mais afoitas, em busca de romances. E atrás das afotas, compareciam os galalaus, em busca de farra simplesmente. Valdemar, solteiro, era um deles.
Segundo contava ele, era um insaciável. E nessa fome toda, contou uma coisa bem coriqueira, simples e comum, para não dizer vulgar. Coisa que acontece a todos o tempo todo. E também, porque não, com ele. Aconteceu. Foi, segundo ele proprio e mais sete testemunhas ( infelizmente todas no repouso eterno), num baile de sábado à noite, no Salão da Linha Furna ( ou linha Quinze, isso não lembro direito), que ele tava que tava. Encontrou uma velha namorada, solitária, e zás!!! Consolou a moça. Mals se despediu, e encontrou a segunda amiga...zupt!!! Lá foi ela pra fritura. E assim, uma a uma, foram sete, na mesma noite. Resultado: um priapismo que o deixou envergonhado. Não havia mais jeito de acalmar os ânimos do seu coleguinha. O que fez então? Deitou-se ao lado da Kombi que o levara ao baile, estacionada na margem do rio, E ali, deitado de bruços, urinou no rio, por cima da kombi, sem molhar o veículo. Mas mesmo assim, continuou em situação vexatória. Foi aí que buscou a solução definitiva: Mergulhou no rio.
De longe, seus amigos ouviram o som de uma brasa se apagando na água, um chiado fino e uma nuvem de vapor subindo rumo à esuridão do universo.

domingo, 21 de setembro de 2008

O caso do tombo

Como falei no blog anterior, vou contar o causo do tombo.
Nos escarpados e perigosos penhascos da Linha Furna, certa feita - contou Valdemar, estava procurando alguma rês perdida ou algo parecido. Neste episódio, há duas versões conhecidas.  Na primeira, estava Valdemar só, quando do alto de 72 metros de altura despencou barranco abaixo.
Narra ele com seu sotaque forte:

-" Má xácramento, tchó. Eu dechpenquei baranco abasso e a velochidade omentáva cada veix maix. Io non xabia como ia me dexpencá lá embasso nas pedra.  No caminho, tinha uma pedra espetada no baranco. Me abracei nela e ela xe xoltô e veio zunto. Cráaamento!! Quando vi que ia me isboraçá, xoltei a pedra e ela caiu na minha frente, porque era maix pejáda de que eu ( aí Valdemar já conseguiu burlar a lei de Newton). Espicei o pé e toquei no baranco pra cair lonze da pedra. Má como io tava com bom reflésso, dí uma viravollta e caí dimpé no çón. Nada me acontexeu, xó uns aranhón.  E meus pé que inçô. Tive que cortá as bota pra arancá os pé de fora. Má quando foi de noite, zá fui puçá um baile, de cinéla de dedo, tchó!".


segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Valdemar - Não é lorota: é versão dos fatos

Imagem gerada por IA

Semana passada descansou um velho e querido amigo: O Valdemar. Companheiro de pescarias, de finais de tarde no trabalho e sobretudo, de causos. Eram causos do cotidiano, contados com alguns enfeites metafóricos e quase sempre hilários, que algumas pessoas inescrupulosas denominavam como mentiras, o que em absoluto não eram. Justiça se faça, mas mentira é uma cois feia, pegajosa e infame. o que Valdemar contava era apenas a sua versão de fatos que com certeza tinham acontecido, em algum lugar, com alguma pessoa, mesmo que esses lugares e pessoas tenham sido apenas em sua prolífica memória e invejável capacidade de finalizar versões e, por que não dizer, algumas inocentes lorotas.
Para evitar especulações, não vou mencionar o sobrenome do imaginativo personagem que com toda certeza existiu e quem o conheceu, vai saber de quem se trata. Do Valdemar.
Nesse blog, vou tentar lembra de alguns dos causos que ouvi pessoalmente o Valdemar contar. Outros, com certeza serei auxiliado pelo testemunho de outros que outras fantabulosas aventuras ouviram o mestre das pescarias contar.

LOROTA UM
O tombo dum perau

Perau, precipício, penhasco, são sinônimos de um acidente geográfico de grandes proporções, de grande altura. Em Gramado é conhecido como Perau mesmo. Lá tem muitos, especialmente na região que divisa com Caxias do Sul e Nova Petrópolis. Uma destas localidades se chama Linha Furna. Ao lado, tem a Linha Quinze, e depois disso, não necessariamente nessa orgem cartográfica, há um vale cortado pelo Rio Santa Cruz, que estabelece a divisa de Gramado com Caxias do Sul.
Este é na maioria das vezes o cenários das lorotas do Valdemar.

Descendente de italianos e tendo quase sempre vivido no interior, Valdemar carregava no sotaque italiano, uma mescla de vêneto com italiano e português antigo. Essa mistura tornava ainda mais interessantes suas narrativas, que ele vivenciava até à alma cada uma delas. Chegava às raias da emoção, porque o principal personagem era geralmente o próprio. E quase sempre, havia testemunhas oculares: falecido fulano, falecido beltrano e falecido cicrano.

Trabalhávamos num porão, a seção de escultura da fábrica, e havia nesse porão, cuja casa estava construída num declive de terreno, uma janela, que dava para o jardim de uma casa, onde Valdemar exercia a função de jardineiro, mordomo e por vezes, administrador de paisagismo.
Nosso horário de trabalho encerrava às dezoito horas, mas lá pelas  quatro da tarde, estava ele debruçado na janela ( de fora para dentro), "queimando campo" (expressão utilizada para expressar alguém contando mentiras), e tínhamos que "abrir as portas para deixar sair a fumaceira" exalada pelas bravatas do colega.
Mas não posso classificar como mentiras, porque não eram. Mentira  é uma coisa feita, grotesca, malfazeja. Valdemar não mentia. Contava sua própria versão fantasiosa dos fatos. Trocava os personagens, mas detalhava com exatidão datas e lugares. E não raro, pessoas.
Era um companheiro agradável em pescaria. E como não seria? Tem coisa mais enfadonha do que uma pescaria sem um hábil contador de causos? E tem o pós-pescaria, que é exatamente quando todos ávidos por umas boas risadas, se enfileiravam à volta do bule de café da tarde num gazebo da fábrica onde nos reuníamos, para tentar contar nossas próprias lorotas ou debochar de algum novato ou incauto colega. Mas reconhecidamente e com justiça nos calávamos quando era a vez do Valdemar.
Valdemar se calou, mas vou tentar resgatar suas lorotas. Muitas lembro eu mesmo, porque presenciei ou foram contadas a mim. Outras, vou buscar com amigos ( e amigos não lhe faltavam) que conheciam outras versões das mesmas histórias ornamentadas pela ingênua esperteza do nosso amigo Valdemar.